Estas doenças do comportamento alimentar surgem sobretudo durante a adolescência mas também podem ser identificadas antes ou depois desta etapa de desenvolvimento. São mais frequentes no sexo feminino (embora também aconteçam no sexo masculino) e resultam de uma combinação de factores biológicos, ambientais, familiares e sociais.
Convém salientar que o comportamento alimentar de muitas crianças gera preocupação por parte dos pais mas na maioria das vezes é próprio de determinadas fases da vida e varia de acordo com uma espécie de perfil de apetite, estando apenas relacionado com características da criança. Há crianças que comem muito, outras que comem pouco e isso não tem à partida nenhum problema. Se os pais tiveram dúvidas sobre o assunto, deverão esclarecê-las junto do médico e confiar nas indicações, pois a excessiva preocupação e consequente pressão para que a criança coma mais ou para que coma menos, essa sim, pode levar a certos distúrbios.
A anorexia nervosa não é uma doença de emagrecimento, ainda que esteja relacionada com uma necessidade de emagrecer. De facto, do ponto de vista social, assiste-se a uma promoção excessiva do emagrecimento e do "corpo ideal", tanto de forma directa como numa série de mensagens indirectas e subtis que a pouco e pouco são assimiladas pelo nosso inconsciente e que acabam por constituir um padrão de beleza generalizado que é considerado o mais aceitável. Isto tem um impacto significativo nos mais jovens, por estarem numa fase de maior vulnerabilidade com necessidades mais prementes de afirmação pessoal, aceitação, reconhecimento e construção de uma identidade própria.
Contudo, a anorexia é bastante mais complexa e desenvolve-se perante uma restrição doentia dos alimentos que está muito longe de uma simples insatisfação com o corpo, típica destas idades (ou até das pessoas em geral). Não é um capricho ou uma "mania" passageira mas sim uma obsessão preocupante relativamente ao aumento de peso e à contagem das calorias, acompanhada de uma enorme capacidade para ignorar a fome. Apesar de comerem muito pouco ou quase nada, faz parte da doença manterem-se sempre muito activos até que o corpo comece inevitavelmente a ceder, podendo levar a um estado de saúde extremamente grave, debilitante e até irreversível.
Estes doentes apresentam uma enorme distorção corporal, o que significa que a imagem que têm de si mesmos é muito diferente da imagem real. É por isso que podem chegar a extremos de magreza e mesmo assim sentirem que estão com excesso de peso. Esta imagem distorcida induz a um sofrimento diário e persistente, sendo bastante comum isolarem-se do contacto com os outros.
Na adolescência ocorrem grandes mudanças hormonais que levam a modificações corporais súbitas e isto nem sempre é encarado com naturalidade por parte do jovem. Especialmente as raparigas podem ter dificuldade na adaptação às novas formas do corpo (e às exigências psicológicas que uma nova etapa de vida acarreta) e inconscientemente estar presente uma fantasia de permanecer num corpo mais infantil.
Observou-se que uma grande parte das anorécticas têm semelhanças em termos de características de personalidade e da dinâmica familiar. Geralmente são jovens que são vistas pelos outros (sobretudo pelos familiares) como exemplares em termos de comportamento, disciplinadas, perfeccionistas, exigentes consigo próprias e com bons desempenhos escolares. Isto é, com a melhor das intenções, bastante valorizado e muitas vezes os próprios pais parecem ser os últimos a reparar no exagero e na perda de peso, o que não raras vezes conduz a um estado de subnutrição grave que pode inclusive levar à morte. A jovem habitua-se a encontrar estratégias muito eficazes para disfarçar o facto de não comer (esconder comida debaixo do prato ou da mesa, deitar fora quando ninguém vê, comer noutros horários, entre outras) mas por vezes já várias pessoas do exterior se aperceberam do estado de magreza à excepção do núcleo familiar que está numa espécie de negação colectiva. Assim, é importante que o tratamento inclua uma ajuda efectiva às famílias, já que todos acabam por sofrer com esta doença e não há culpados no processo. Embora se possa ter de reflectir sobre alguns comportamentos na dinâmica da família, estas doenças nunca são previsíveis e muito menos desejadas. Há sempre uma série de factores, alguns deles ainda bastante desconhecidos, que se conjugam e que levam ao diagnóstico.
A bulimia é tendencialmente mais discreta e grande parte das vezes não leva a uma perda de peso tão visível como na anorexia, pelo que podem passar-se vários anos sem que ninguém se aperceba, atrasando o diagnóstico e tornando o tratamento mais difícil. Apesar de mais silenciosa e de raramente ser fatal não é por isso menos grave. Nesta doença as pessoas têm episódios solitários nos quais ingerem sofregamente quantidades invulgares de comida e misturam diversos tipos de alimentos na mesma refeição. Apesar da ansiedade que acompanha o acto de comer, na verdade é muito comum não obterem nenhum prazer, apesar de não conseguirem parar de o fazer até ficarem mal dispostas. Tal como na anorexia, estas pessoas sentem que têm excesso de peso e que o seu valor pessoal depende bastante da sua imagem física, pelo que após esses episódios sentem-se de tal forma envergonhadas e culpadas que provocam o vómito para se livrarem de todas as calorias que ingeriram. Como estas compulsões não permitem seguir uma dieta, encontram no vómito a solução para perder peso.
Os estados psicológicos alternam entre a tristeza e a irritabilidade e também é típico isolarem-se do convívio social, nomeadamente para evitar momentos à mesa e porque passam parte do dia angustiadas com pensamentos relacionados com o corpo e com os alimentos.
Quanto a características de personalidade, geralmente são pessoas mais impulsivas comparativamente às que sofrem de anorexia. São também aparentemente mais instáveis mas apenas de forma mais visível, já que na anorexia a suposta estabilidade emocional acaba por ser uma forma de auto-controlo seguida de uma sensação de poder por se alcançar uma série de objectivos.
Tanto na bulimia como na anorexia, existem factores que facilitam ou predispõe à doença como por exemplo a dedicação a determinadas práticas desportivas rígidas, competitivas e exigentes do ponto de vista da aparência física como a dança ou actividades ligadas à moda, mas nunca se considera que algo deste género seja a origem ou a causa do problema. São apenas contribuições que, no se conjunto, despoletam o problema. Existem inúmeros jovens ligados a estas áreas que são perfeitamente saudáveis e outros que não o sendo apresentam a doença.
Quanto ao tratamento, um dos maiores impedimentos no sucesso do mesmo é a negação quanto à existência de uma doença. Um dos sintomas é precisamente esta negação, pelo que forçar a pessoa a comer ou a alimentar-se de outra forma acaba por ser contraproducente. É difícil compreender como é que alguém fica satisfeito o dia todo com uma maçã ou como é que não controla a quantidade de comida ao ponto de ter de a vomitar, mas é muito importante compreender que a pessoa simplesmente não consegue e que não é algo que dependa somente da sua escolha.
O mais importante é levar a pessoa a reconhecer que necessita de ajuda psicológica, algo que pode levar algum tempo, já que fisicamente é típico que o doente não se sinta mal durante um largo período. Em casos extremos de risco de vida o internamento pode ser a única alternativa mas é perfeitamente possível não se chegar a este ponto para que o tratamento ocorra, desde que a pessoa que sofre da doença se torne parte activa da mudança.
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